Neutro, transparente e cheio de resolução
Se há uma marca em que a (de muito difícil tradução) palavra inglesa «unassuming» assenta que nem uma luva, essa marca é a Electrocompaniet, uma empresa norueguesa (e de desenho e produção mesmo noruegueses, não asiática) que anda nestas lides há mais de cinquenta anos. E, numa altura em que tantas marcas apostam num marketing muito auto-elogioso como forma de produção, ao qual que se junta o fenómeno YouTube, dois factores que muito têm exponenciado a hipérbole e a adjectivação num indústria já tão dada a essas figuras de estilo, a sobriedade e simplicidade com que a Electrocompaniet se apresenta é refrescante (tendo até a sensação que, apesar dos excelentes produtos e dos muitos anos que a marca norueguesa já leva disto, muitos audiófilos não conhecem bem ou mesmo de todo a Electrocompaniet, o que é uma pena). Já há muito que tinha curiosidade de experimentar um destes produtos noruegueses e quando se deu a oportunidade de experimentar o ECI 80D, não hesitei.
Quanto a especificações, o ECI 80D oferece 80 watts por canal em classe A/B, com impedâncias de 8 ohm (150w a 4 ohm), uma entrada de gira-discos em formato MM (não testada), duas entradas analógicas (ambas RCA), duas saídas de auscultadores (3.5mm e 6.35mm), cinco entradas digitais (três ópticas, duas coaxiais) e Bluetooth bidireccional (tanto é possível enviar música para o amplificador, como o amplificador enviar para auscultadores) em formato Aptx-HD, entre outros. Como acessório temos ainda um controle remoto que é pequeno, leve e ergonómico mas eventualmente um pouco simples para esta gama de preço. Quando ao design, a melhor forma que encontro para descrever será usando o oximoro “moderno antiquado”, fazendo lembrar a ideia de modernidade que se tinha há umas décadas atrás - não deixando por isso de ser um amplificador muito bonito e com uma excelente qualidade de construção (disponível em branco e em preto). Por fim, o “chip” disponível no DAC é um PCM1789 da Texas Instruments, fugindo assim aos mais comuns Sabre ou AKM.
Comecei então a minha audição acompanhado primeiro por um streamer MXN10 da Cambridge Audio, e depois por um Eversolo A6 Gen2, e umas KEF LES50 (versão original), e por dois discos de jazz, um deles acabado de sair: Preludes (2023, Cellar, 24 bits-96 kHz), do pianista Jeb Patton, e Heroes (2025, Blue Room Music, 16 bits-44,1 kHz), do saxofonista John Ellis, contando ambos com a dupla Michael Rodriguez (trompete) e John Ellis (saxofone tenor) na «frente de combate». Ambos discos bem gravados (seria excelente que a Blue Room Music lançasse Heroes em alta resolução), destacou-se imediatamente o corpo e a definição dos graves, do melhor que já ouvi com as LS50, com os contrabaixos de Reuben Rogers e David Wong exemplarmente reproduzidos (e é uma pena que os bombos de bateria estejam sempre tão ausentes dos discos de jazz, perdendo-se assim o feathering que os bateristas mais tradicionais ainda usam, a acompanhar a semínima do walking bass do contrabaixo). Timbricamente todos os instrumentos foram reproduzidos de forma imaculada, com também os transientes a corresponderem ao que espera, com a trompete substancialmente mais agressiva que o saxofone tenor nesse departamento.
No mundo do rock escolhi o intemporal Wish You Were Here (1975, 16-44.1), o meu disco preferido dos britânicos Pink Floyd, aqui famosa edição japonesa two-track (35DP-4, assim chamada por ter «reduzido» o disco de cinco a duas faixas), de longe a versão mais cuidada deste disco, batendo inclusive as versões remasterizadas em Super Audio CD ou em alta-resolução. Este é obviamente um excelente álbum para testar espacialidade de palco, com o ECI 80D a cumprir exemplarmente essa função, mantendo sempre um palco «grande» em largura, altura e profundidade, com uma real sensação de 3D, mesmo nos pans entre a coluna esquerda e a coluna direita (para a qual também muito contribui esta versão do disco). O inigualável som de strat de David Gilmour é reproduzido na perfeição e, tal como nos discos de jazz referidos acima, os graves, tanto em corpo como em definição voltam a impressionar, não apenas no baixo eléctrico mas aqui também no bombo da bateria (o factor de amortecimento de 300, o que traduzindo em miúdos significa uma impedância de saída muito baixa, certamente contribuirá para isso).
Já no mundo da música dita clássica, dediquei-me ao novo disco do acordeonista João Barradas, meu contemporâneo na Escola Superior de Música, e ao seu muito recente Unfolding (2025, Artway Next, 24 bits-96 kHz), em que toca música do compositor Luís Tinoco. Nas peças a solo, excelente o timbre do acordeão, ainda melhor o palco virtual criado entre as duas mãos, mérito da gravação, mas também do ECI 80D. Já nas peças com quarteto de cordas, o ECI80D reproduz com fidelidade todos os instrumentos de cordas, separando-os de forma clara sem que percam a coesão, proeza nem sempre atingida por todos os amplificadores. Nas duas peças com a Orquestra Sinfónica do Porto (dirigida por Joana Carneiro), o ECI 80D revela-se competente na reprodução de dinâmicas, característica essencial em formato orquestral, quiçá talvez até acima da média nesta gama de preço, mas sem a capacidade que os amplificadores High-End conseguem ter neta matéria (nem tal seria justo pedir a um integrado deste preço).